sexta-feira, 19 de abril de 2013

Eduarda



Conheci Eduarda quando ia ao trabalho, no ônibus. Foi há uns meses passados, sei lá quantos, sempre me perco no tempo. Entrei meio afobado, mas lá alguns lugares vazios, e o assento ao lado dela me chamava. Cruzei a roleta em disparada. Me acomodo e invade meus pulmões um doce cheiro do seu shampoo, pouco depois, de sabonete. Ela tinha feito nos cabelos um par de tranças loiras e lindas; usava uma vestido laranja claro, que não cobria os joelhos, deixando suas lindas pernas meio de fora, entregando o ouro dos pelinhos loiros; sandália rasteira, dessas de feira; e o sutiã? deixou em casa.
Abro minha mochila e saco três folhas que carregavam umas linhas escritas pelo velho safado. Ela, que já me olhava meio de lado, minutos depois puxa...

- Desculpa te atrapalhar, mas como você consegue ler dentro dessa merda de ônibus? Quem ouve música, até entendo, mas  ler? Deve ser meio foda.
- Nem tanto, foda é sempre algo bom, e eu consigo ler até no meio de um show, imagina aqui, é paraíso.
- Sorte sua. Só consigo ler naqueles silêncios absolutos, que a gente ouve até o barulho d'uma agulha cair no chão.
- Que merda, ler pra você é madrugar, mas é a melhor hora para se viver.
- Pois é, por aí...
(...)
Mais umas outras poucas frases, números de celular trocados e tchau.

Alguns dias pós primeiro encontro, nos reencontramos no mesmo ônibus, mesmo horário, mesmo quase tudo. Ela sem tranças, mas de cabelos presos, vestia uma calça jeans desbotada, camisa hering azul e calçava algo que eu diria ser um tênis. E os cheiros, os mesmos, shampoo e sabonete. Abriu um sorriso lindo, e carregando sua inseparável bolsa de pano, onde vai sempre: celular, identidade, cartão do banco e uns trocados, me recebe ao seu lado, abriu espaço para mim. Nesse dia conversamos mais que o normal, ela meio tagarela, dizia coisas do trabalho (a labuta é num escritório de engravatadinhos advogadinhos, bobos), e por aí foi.
Eduarda é engraçada e calada, não faz questão de muita coisa, quase nada. Na geladeira meia cebola e umas garrafas de cerveja. E quando aporto por lá, sempre pela manhã, uma trepada e cuscuz com ovos, que eu faço e ela adora. Mas não gosta de retratos e de falar muito.
E assim vamos sobrevivendo, entre trepadas coloridas, sorrisos sinceros e as vezes um não querer entendido. Vez por outra pegamos o mesmo ônibus, vez por outra nos escondemos numa cama, e olhamos mudos a banda passar, mas sem cantar coisas de amor, pois isso é uma merda.

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